segunda-feira, 24 de maio de 2010

textos retirados do site COMPANHIA LATÃO

http://www.companhiadolatao.com.br/html/manifestos/index.htm

Arte Contra a Barbárie
Os grupos teatrais Companhia do Latão, Folias D'Arte, Parlapatões, Pia Fraus, Tapa, União e Olho Vivo, Monte Azul e os artistas Aimar Labaki, Beto Andretta, Carlos Francisco Rodrigues, César Vieira, Eduardo Tolentino, Fernando Peixoto, Gianni Ratto, Hugo Possolo, Marco Antonio Rodrigues, Reinaldo Maia, Sérgio de Carvalho, Tadeu de Sousa e Umberto Magnani, vêm a público declarar sua posição em relação à questão Cultural no Brasil:
O Teatro é uma forma de arte cuja especificidade a torna insubstituível como registro, difusão e reflexão do imaginário de um povo.
Sua condição atual reflete uma situação social e política grave.
É inaceitável a mercantilização imposta à Cultura no país, na qual predomina uma política de eventos.
É fundamental a existência de um processo continuado de trabalho e pesquisa artística.
Nosso compromisso ético é com a função social da arte.
A produção, circulação e fruição dos bens culturais é um direito constitucional, que não tem sido respeitado.
Uma visão mercadológica transforma a obra de arte em produto "cultural". E cria uma série de ilusões que mascaram a realidade da produção cultural no Brasil de hoje.
A atual política oficial, que transfere a responsabilidade do fomento à produção cultural para a iniciativa privada, mascara a omissão que transforma os órgãos públicos em meros intermediários de negócios.
A aparente quantidade de eventos faz supor uma efervescência, mas, na verdade, disfarça a miséria dos investimentos culturais de longo prazo que visem à qualidade da produção artística.
A maior das ilusões é supor a existência de um mercado. Não há mecanismos regulares de circulação de espetáculos no Brasil. A produção teatral é descontínua e no máximo gera subemprego.
Hoje, a política oficial deixou a Cultura restrita ao mero comércio do entretenimento. O Teatro não pode ser tratado sob a ótica economicista.
A Cultura é o elemento de união de um povo que pode fornecer-lhe dignidade e o próprio sentido de nação. É tão fundamental quanto a Saúde, o Transporte e a Educação. É, portanto, prioridade do Estado.
Torna-se imprescindível uma política cultural estável para a atividade teatral. Para isso, são necessárias, de imediato, ações no sentido de:
Definição da estrutura, do funcionamento e da distribuição de verbas dos órgãos públicos voltados à Cultura. Apoio constante a manutenção dos diversos grupos de Teatro do país. Política regional de viabilização de acesso do público aos espetáculos. Fomento à formulação de uma dramaturgia nacional. Criação de mecanismos estáveis e permanentes de fomento à pesquisa e experimentação teatral. Recursos e políticas permanentes para a construção, manutenção e ocupação dos Teatros públicos. Criação de programas planejados de circulação de espetáculos pelo país. Este texto é expressão do compromisso e responsabilidade histórica de seus signatários com a idéia de uma prática artística e política que se contraponha às diversas faces da barbárie - oficial e não oficial - que forjaram e forjam um país que não corresponde aos ideais e ao potencial do povo Brasileiro.
voltar
MANIFESTO PELA LEI DE FOMENTO
A suspensão do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo anunciada pela atual Secretaria de Cultura não é só um ato de regressão autoritária, mas um símbolo da miséria das políticas culturais no país. Vem reforçar a imagem da Cultura como desperdício, como desnecessidade, direito exclusivo dos que podem por ela pagar.Em nome de um formalismo jurídico sobre a dotação orçamentária e sem nenhum amparo no debate público, a suspensão descabida da Lei de Fomento revoga uma decisão unânime do Legislativo, sancionada pelo Executivo, e desmonta uma conquista histórica do teatro paulistano. Aceita as ordens esterilizantes da razão financeira e fecha os olhos a um dos raros florescimentos artísticos de nossa época. Em sua breve existência, a Lei de Fomento é um exemplo único de ação do Estado no campo da cultura. É direta, sem qualquer dirigismo: delega aos coletivos de trabalho a liberdade e a autonomia da formulação poética. É descentralizadora mas nunca populista: estimula a ampla circulação da qualidade. É transparente e tem foco nítido: seu critério de valor é a pesquisa coletiva de quem se dispõe ao diálogo entre arte e sociedade.Na comparação com outras leis para o setor - como as de incentivo através da renúncia fiscal - a verba destinada ao Programa de Fomento ao Teatro é muito pequena. No entanto é ela que garante a liberdade e a autonomia dos artistas, não a dos patrocinadores. É ela que beneficia a formação de espectadores, não de consumidores. É ela que expressa interesses sociais, avaliados e cobrados pelo Poder Público, numa inversão total do privatismo empresarial que impera no uso das verbas públicas. Filha do movimento de grupos teatrais de São Paulo - corporificado nos anos 70 e retomado nos anos 90 - a Lei de Fomento entende a Cultura como um processo de longa duração, não como somatória de produtos eventuais. Não é por acaso que se tornou um modelo para todo o Brasil. Não é por acaso que as outras categorias artísticas, motivadas por seu exemplo, têm procurado superar a fragmentação e a competitividade impostas pelo mundo do trabalho precarizado para reinvindicar a mesma atenção pública. As acusações feitas à Lei de Fomento resultam da ignorância quanto a seu funcionamento ou da sujeição completa à mercantilização da vida. As suspeitas quanto à sua honestidade resultam da incapacidade em compreender a ação do Estado fora dos mecanismos do compadrismo, do estrelismo e do mando autoritário. Contra o predomínio das abstrações financeiras, contra o esvaziamento do debate político da Cultura e contra as descontinuidades eleitoreiras e seu princípio perverso da tábula rasa, o movimento dos grupos teatrais de São Paulo vem a público exigir: que a Lei de Fomento seja imediatamente aplicada;que seu exemplo leve à criação de novos programas públicos de Cultura nas esferas municipal, estadual e federal; que o Estado assumas suas responsabilidades.
A Arte, entre outras tarefas, está aqui para nos lembrar que nosso tempo e nossa vida são agora.
voltar
Por um teatro materialista
Por Márcio Marciano e Sérgio de Carvalho A Companhia do Latão tem debatido internamente algumas questões que dizem respeito à sua utilidade como produtora de representações. Para se opor aos modos hegemônicos da atividade artística numa sociedade orientada pela lógica do Capitalismo tardio (cujo corolário é a transformação perene da cultura em mercadoria e da mercadoria em cultura) essa reflexão deve provir de uma ação cultural como prática política. Procuramos resumir os temas debatidos nos itens expostos a seguir: O que dá sentido político ao teatro é a forma como se organizam suas relações de produçãoÉ na sala de ensaios que tem início o processo de politização do Teatro. O modo como se organizam as relações de trabalho entre os integrantes do grupo determina o caráter político da encenação. O esforço para que seja superada a divisão entre trabalho material e trabalho espiritual na construção da cena deve se estender, numa segunda fase, à relação com o público. A politização do ensaio contagia a forma do espetáculo e abre uma nova perspectiva de recepção crítica. A forma processual da obra - decorrente da atitude coletivizante do trabalho - suprime as hierarquias entre os artistas no palco, desmistifica a imagem artística, e busca tornar companheiros de jornada simbólica os homens do palco e os da platéia. O que determina o valor da produção artística é seu valor de usoSubmetida aos padrões do mundo da mercadoria, a produção artística é levada a alienar sua utilidade em favor da pura circulação. Como uma sandália que não se destina mais ao pé, mas feita para ser vendida, o artista passa a trabalhar para ser reconhecido como artista, gasta sua energia produtiva e econômica para aparecer nos jornais, para ser valorizado como mercadoria da cultura. Torna estética não sua obra, mas sua condição de mercadoria. Afasta-se dos conteúdos da arte e estetiza, em abstrato, seu modo de ser. Comporta-se como as mercadorias, cuja aura construída pouco provém do conteúdo do produto e muito das emoções genéricas que lhe são atribuídas. O artista, assim constrangido, persegue toscas imagens da celebridade enquanto lamenta idealisticamente a corrupção dos valores artísticos. A crítica ao império da circulação é, contudo, insuficiente. Pode levar à defesa da arte absoluta, de que a obra encontra seu fim no seu sentido puramente estético. Para nós, não se deve ter medo do debate sobre a função da arte. Consideramos legítimas quaisquer utilizações pedagógicas, assistenciais e humanitárias da arte, ainda que nossa pesquisa seja de ordem estética. Estética naquele limiar em que a estética deixa de ser estética: nosso interesse artístico é a reativação da luta de classes. É necessária a invenção de alternativas de circulaçãoA lógica da circulação impregna e confunde os produtores da arte. Inocula nos organismos da cultura doenças como o marquetismo, o personalismo, o agradismo hedonista. A crítica à mercantilização da arte é inoperante se o trabalho artístico continua preso aos ditames de uma imprensa cujo critério de verdade provém das pesquisas de mercado. De outro lado, a produção que conta com o apoio estatal não está preservada da influência mercantil quando apenas - no desejo de corresponder ao sentido público de sua missão - confere aparência "social" aos seus produtos, sem alterar conteúdos e práticas teatrais. Os produtos da cultura devem servir a processos coletivos, e não o contrário. Por isso, novos modos precisam ser inventados: associações de espectadores, contatos com movimentos sociais, intercâmbios entre grupos. Cabe também aos artistas a organização de novos sistemas de circulação de suas obras. Não basta a interlocução isolada entre produtores culturais, à margem da sociedade. É preciso produzir formas capazes de incluir a sociedade como um todo numa perspectiva revolucionária.Anticapitalismo, pesquisa estética e revoluçãoA pesquisa estética terá sensibilidade revolucionária quando desenvolvida por produtores empenhados em um projeto coletivo anticapitalista.
voltar

Nenhum comentário:

Postar um comentário